Minha vida de intérprete de Libras: curiosidades sobre ingresso no mercado
Sempre que me apresento ou sou apresentada como intérprete de Libras, surge a pergunta “você tem algum familiar surdo?”, ou ainda, “como e por que entrou nessa área?”. Vim desmistificar tudo isso e mais um pouco.
Contextualizando.
Comecei a estudar em uma associação de deficientes apenas por curiosidade, aos quinze de idade, namorei um surdo por quase dois anos. Não tenho familiar surdo ou com deficiência.
Continuei estudando e decidi que queria trabalhar com recursos humanos — achava que sabia o que queria. Só que não, rs. No decorrer da formação em gestão de RH eu gostava de participar de eventos no atendimento preferencial cadastrando currículos, ali eu já era conhecida como “a que sabe Libras”, “chama ela pra fazer o atendimento preferencial”. Ficar estudando Libras era meu hobby.
Aperfeiçoei-me como intérprete na prática, em celebrações religiosas e eventos.
Ingresso no mercado: a importância da rede de contatos
Foi a partir dos contatos nessas relações voluntárias que comecei a receber indicações de profissionais da área, surdos que gostavam do meu serviço voluntário que me chamavam para trabalhos autônomos e me indicavam para trabalhar profissionalmente no meio educacional. Nessa época, eu já tinha uns vinte e dois de idade.
Espera! Não era um projeto qualquer (risos), mas um projeto de inclusão de pessoa com deficiência (PCD) no mercado de trabalho. Meus olhos brilharam. Era isso o que eu queria fazer!
O início de uma nova jornada
Eu diria que minha decisão foi a partir dessa oportunidade de trabalho remunerado. Precisei aprimorar, adquirir técnicas e aperfeiçoá-las para me manter no mercado e me atualizar.
Resumindo, minha entrada no mercado foi um caminho natural, construindo uma reputação com o público, me envolvendo na comunidade. Identifiquei-me com o trabalho e só depois fui cursar uma pós-graduação em tradução e interpretação.
Confesso que achava que o mercado selecionava por titulação, isso, considerando morar no interior de São Paulo. Mas me parece que não é bem assim. Depende da região, do tipo de trabalho, demanda, exigência do contratante, entre outros fatores.
Sobre o mercado
Em alguns casos, exigem-se apenas 180 horas de cursos de Libras e comprovação de proficiência, outros contratantes são mais exigentes, solicitam pós-graduação e comprovação de experiência.
O que percebo no mercado, baseado em minhas experiências, é que trabalhar com ou para surdos é uma área extremamente ampla. É possível trabalhar como professor bilíngue em diversos níveis do ensino (público ou privado), interpretação no meio empresarial, serviços públicos, consultoria, eventos e audiovisual — área que tenho maior volume de trabalho e com demanda crescente nos últimos dois anos.
Dicas e curiosidades
É possível aprender a Libras na fase adulta?
Creio que a resposta seja a mesma para o aprendizado de qualquer outra língua: Sim. Vai depender da sua exposição à língua, cultura e tempo investido em estudos. Por isso, recomendo o estudo incansável, investimento de tempo (leituras e cursos) e de recursos financeiros (livros, dicionários, revistas, oficinas e tudo o que for possível que permita conhecer a língua e cultura de forma mais ampla).
Hoje, penso no valor social do meu trabalho, nas contribuições que ele me permite realizar. Mesmo sendo profissional, gosto de prestar serviços voluntários à associação de surdos local — a AADA. É uma forma de gratidão aos que estão sempre dispostos a ensinar mais sobre sua cultura.